“Lá no meu pé de serra/ Deixei ficar meu coração. Aí, que saudades tenho/ Eu vou voltar pro meu sertão. No meu roçado trabalhava todo dia/ Mas no meu rancho tinha tudo o que queria. Lá se dançava quase toda quinta-feira/ Sanfona não faltava e tome xóte a noite inteira.”
É só falar em forró e todo mundo pensa logo em dançar. Em um ritmo dançante deste trecho da música “No meu pé de Serra” do compositor, cantor e sanfoneiro Dominguinhos, é possivel perceber alguns elementos que destacam traços identitários da cultura do povo nordestino. Entretanto, essas caracteristicas são suficientes para definir uma noção de identidade brasileira?
Identidade cultural
Embora a literatura e senso comum discutam a noção de identidade brasileira (ORTIZ, 2006, HALL, 2006), os detalhes da trama das manifestações brasileiras são muito diversos para traçar um modelo único de identidade nacional. Os aspectos ligados às culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas, regionais, se transformam e variam de região para região. Ao mesmo tempo, as danças criaram raízes e são frequentemente usadas para ilustrar pluralidade de identidades, construídas por diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos.
A identidade cultural do Brasil está normalmente relacionada ao Samba. Entretanto, existem outras manifestações culturais que fazem parte do tecido de práticas que formam a identidade local e regional. Um exemplo dessas manifestações importantes é o caso da expressão cultural relacionada ao forró. Trotta (2008) afirma que o forró “destaca-se por uma narrativa da região Nordeste baseada na construção simbólica do “sertão” e do “sertanejo””. Esse texto aprofunda a noção de identidade porque cria uma visão ampla, detalhada localizada do tecido da identidade nacional. Não está claro, no entanto, como esta identidade se reflete nos movimentos corporais.
Movimento, música e dança
Segundo Ossona (1988, p. 25), “todo movimento, desde o mecânico até o simbólico, contém sempre uma grande carga expressiva”. Desmond (2013) complementa esta ideia argumentando que o movimento pode ser lido como um marcador para a produção de identidades de gênero, raça, etnia, classe e nacionalidade: “Ele pode ainda ser lido como signo de identidade sexual, idade, doença ou saúde, assim como vários outros tipos de distinções/descrições que são aplicadas a indivíduos ou grupos, como “sexy””.
É nesse sentido que as manifestações como o Forró estabelecem conexões entre a música e a dança, mas também em outras relações. Relacionamento estes nos quais as metáforas temporais podem ser confundidas com a métrica musical e desassociadas também em outra perspectiva. Apoiado por várias propostas que utilizam métodos computacionais para examinar as relações entre música e dança, esse campo de estudo é situado no tópico de Cognição Incorporada na Música e Dança (acesse https://corpuslab.info/linhas-de-pesquisa/).
No contexto do Forró, o bolsista Igor Tolentino com orientação do professor Luiz Naveda iniciaram uma pesquisa partindo da observação de dois bailarinos com um dispositivo de captura de movimento (Mocap*), com intuito de compreender como a percepção dos bailarinos em relação à música podem causar diferentes respostas corporais, por meio de estímulos sonoros. A metodologia consistiu na captura e análise de movimentos de bailarinos profissionais e os estilos de dança abordados foram os estipulados pelos bailarinos dentro do gênero forró.
*Mocap é um termo utilizado para descrever um processo de gravação de um movimento e sua transposição em um modelo digital.
Com o auxílio do mocap é possível investigar as relações entre a música e a dança usando métodos ciêntificos (https://corpuslab.info/habemos-mocap-tambem/). Este estudo preliminar demonstrou que as respostas corporais dos bailarinos na dança podem ser influenciadas pelas variações aos estímulos sonoros, reafirmando o forte vínculo entre música e dança.
Referências
DESMOND, J. C.; NOGUEIRA, T. DE M. DE M.; AMOROSO, R. T. DE D. M. Corporalizando a diferença: Questões entre dança e estudos culturais. Dança: Revista do Programa de Pós-Graduação em Dança, v. 2, n. 2, p. 93–120, 2013.
HALL, Stuart. A identidade cultural da pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 2006.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 5ª Ed.,
9ª reimpressão 2006.
OSSONA, Paulina, “A educação pela dança” – São Paulo: Summus. 1988.
TROTTA, Felipe Costa; MONTEIRO, Márcio. O novo mainstream da música regional: axé, brega, reggae e forró eletrônico no Nordeste. In: E-Compós. 2008.